"Um gaio", dizia ele, "tem mais do que qualquer outra criatura. Tudo que um gaio sente, ele consegue exprimir com a linguagem. E nunca se engasga, os sons simplesmente brotam dele. Quando comecei a compreender corretamente a linguagem dos gaios, aconteceu um pequeno acidente por aqui.

Bem, certa manhã, estava eu e o meu amigo Eduardo, sentados no viveiro da casa da Ameixieira, tratando das novas sementeiras e mudas, quando um gaio pousou sobre esta casa com uma bolota na boca e disse: "Êpa, acho que encontrei algo." Quando ele falou a bolota caiu de sua boca e rolou pelo telhado, é claro, mas ele não se importou. Sua mente estava concentrada em algo mais importante. Eram as bolotas que íamos semeando nas covetes.

Eu tinha-o visto e observado como ele nos ia espiando. Ao fim do dia trouxe a sua companheira e grasnando iam comunicando a grande descoberta, bolotas a perder de vista!.

Passado uns dias, qual não foi o nosso espanto ao vermos que nem uma bolota se encontrava nos buracos semeados. O Eduardo explodiu culpando os ratinhos da ladroagem. Era certo que eles também tinham a sua participação mas os grande bandidos tinham sido os mesmos gaios que gargalhavam em cima do castanheiro. "Ouves Eduardo?" disse o Bernardo sorrindo, "não me venhas dizer que os gaios não têm sentido de humor porque eu os conheço muito bem. E, memória também. Desde há uns dias, que estamos a ser observados por um casalinho de gaios e agora amontoaram bolotas suficientes para alimentar a família. Mas ao mesmo tempo, temos assegurado o nascimento de carvalhos na nossa região!

Que mais querer? Sem saber os gaios fizeram-nos um grande favor por isso alegra-te amigo e vamos outra vez recomeçar a nossa sementeira."

A partir daí, o Bernardo começou alimentar, não só este casal de gaios mas outros, com o objectivo deles espalharem bolotas como semeadores. Colocou uma caixa de madeira em frente da casa e pelo menos, duas vezes no dia, sempre à mesma hora, ouvia o grasnar dos seus amigos e retirava-se com alegria.

Certa manhã a porta da casa estava aberta, passou uma flecha azul e sem ouvir o grasnar, apenas o bater de asas, soube que o gaio tinha ido à caixa. O seu desejo de o ver foi tão forte, que deu um passo em frente e nesse mesmo momento olharam um para o outro e logo o gaio desapareceu.

Nem nesse dia, nem na outra manhã o gaio regressou à caixa. Sobrevoava somente por cima da casa. "Podia vê-lo, por uma janela nas traseiras, empoleirado num ramo de sobreiro, com ar pensativo, olhando à sua volta: "O que este gajo quer? Primeiro dá-me paparoca e a seguir vem-me assustar?". Ouvindo isto peguei na caixa e coloquei-a em frente do sobreiro.

A partir de então, nunca mais Eduardo teve razão de se queixar, sobre qualquer roubo de bolotas no viveiro da Aldeia da Ameixiera.