Ainda há grupos de músicos, cantadeiras e contadores de histórias que preservam uma cultura nativa. Faz falta a preservação da floresta nativa.

O baldio da Ameixieira está sem dúvidas em frente da recuperação dos espaços ardidos com plantações e sementeiras de plantas autóctones para a criação duma nova floresta mista. À preservação da biodiversidade está atribuída a maior importância. Mas por outro lado, a aldeia da Ameixieira, com uma dúzia de habitantes e meia dúzia de casas habitadas está entregue à decadência. Na vizinha aldeia, Souto Redondo, encontramos uma situação oposta. Existe um bom número de habitantes com as casas em bom estado, mas a paisagem da encosta deste baldio está em abandono e até há tentativas de impedir a continuação dos esforços para a reflorestação, limpezas de mato e sementeiras que começaram contornar esta situação lamentável.

Num dia radiante de Setembro, encontrei na estrada entre Cabreiros e Candal um homem idoso com óculos de sol que cortava fetos à beira do muro, que separa a estrada dum bosque predominante de pinheiros, com alguns carvalhos jovens e giesta. No seguimento da conversa confirmou que é o proprietário deste lugar. Reparei numas manchas pretas na casca dos pinheiros.
»Alguma vez houve aqui um incêndio?«
»Sim, senhor, houve. Há dois anos.«
»Quer dizer que este incêndio não teve nada a ver com os grandes incêndios de 2010. Então, o que se passou?»
»Quis queimar um formigueiro. De repente ardeu tudo. Alertei os bombeiros e quando chegaram, passado meia hora, já estava feito, ficou apenas o lume no chão. Houve muito estrago, embora as árvores maiores conseguissem sobreviver«.
Fiquei encantado com a sua sinceridade ingénua. Bem feito, pensei, provocou a vingança imediata da natureza.
Poucos dias depois estava no café de Cabreiros, metido numa conversa com um empresário local, que chefia construções de traço rural. Quando este homem idoso com os seus óculos de sol apareceu, já sabia que se chamava Manuel, estava reformado e foi emigrante por muitos anos em França. Apresentei-o com ironia como o homem que provocou um incêndio no seu próprio bosque porque se queria livrar dum formigueiro. O empresário ficou sério e disse: »Deixe-me explicar. Estas pessoas passaram uma vida dura que poucos conseguem imaginar. Pobreza a sério e até fome. Muito analfabetismo e quase ninguém acabou a quarta classe. Com dez anos já ganhavam o pão. Quem tinha um pouco de terra com umas plantas e fruteiras, guardava-a enciumado. Assim reinou o conceito: quem me tira algo, pássaro, roedor, mamífero ou formiga - quem se safra do que é meu, tem de acabar. Matavam tudo.«

»E até hoje não sabem o que aprendi ainda rapaz: que as formigas não fazem nada de mal para um bosque, pelo contrário, devem ser preservadas?« pensei em voz alta.

Ele abriu as mãos num gesto típico que diz: então, as coisas são como são!
Recordo-me dos gritos do dono deste café onde estamos; homem forte, bruto, com um coração suave, que uma vez proferiu: »Em França a gente comia ratos em Paris, nos anos setenta! Eu vi isso!« …E, na inauguração da vigilância florestal na Ameixieira, no dia 5 de Julho, uma senhora com nem mais de sessenta anos disse que passou muita fome na sua infância, nesta aldeia. Quanto mais falamos sobre este problema, mais pessoas contaram as suas experiências vividas. Calo-me! Mesmo que o assunto permaneça aberto.

Educação ambiental será uma matéria que interessa apenas à nova geração? O que é o serviço natural da retenção da água, quais espécies arbóreas o prestam, em menor quantidade ou de modo nenhum?

Há uma perspectiva no sentido de esperança para um desenvolvimento ambiental sem um certo avanço no desenvolvimento social?

Onde a fome cessou, ficou a pobreza como uma ferida, quando a pobreza cessou, ficou uma certa privação espiritual como cicatriz.


A palavra cultura, vindo do latim, significa processamento, manutenção, agricultura (arar) referida, no sentido mais amplo, tudo o que o homem propriamente criativo faz, em diferença com a não criada por ele, e não mudada por ele: a natureza. É chegada a hora, que o homem - e mais do que um homem qualquer, a sua sociedade - aprende a se conciliar com a natureza, tanto vulnerável como perigosa, e eventualmente a sua própria natureza. Devemos amplificar e aprofundar uma cultura de respeito por aquilo que não está em nossa posse, apenas no nosso alcance, algo que nos foi somente emprestado.